segunda-feira, 12 de março de 2012

SÍNTESE HISTÓRICA DA BRIOSA VILA - CONFERÊNCIA DE LÚCIA HELENA PEREIRA EM 2004.

ABEL ANTUNES PEREIRA - MEU PAI
RUY ANTUNES PEREIRA - MEU TIO
NILO PEREIRA - MEU PRIMO
MARIA MADALENA ANTUNES PEREIRA
- MINHA AVÓ PATERNA

SÍNTESE HISTÓRICA DA BRIOSA VILA
Lúcia Helena Pereira (1)

"Mais coisas sobre nós nos ensina a terra do que todos os livros, porque oferece resistência”. (2)


Entrar em Ceará - Mirim é rever a sua paisagem esplendorosa, o verde alvissareiro, o cheiro peculiar de suas entranhas! É sentir os mistérios da natureza na beleza dos verdes canaviais; na visão dos bueiros dos engenhos aromatizando o ar! É lembrar as tradições da economia rural e patriarcal tão bem desenvolvidas, no perido do ciclo da cana - de - açúcar, reunindo as famílias da aristocracia, com sua nobreza, sua arrogância, seus sobrados, suas louças e pratarias da Inglaterra, seus brasões, seu poderio e seu estilo bem próprio de senhores de engenhos.
Cresci ouvindo histórias sobre a terra que me viu nascer, em 9 de julho de 1945. Lembro - me do cenário místico do vale! Essa emoção ainda palpita em mim. E posso rever os pássaros cantando suavemente nos galhos das árvores do quintal da nossa casa, anunciando o alvorecer de cada dia e cortejando - nos com as suas sinfonias.
Tenho uma gaveta cheia de recordações desses anos todos. É a hora de se comemorar o passado que fez a nossa história; o presente, mesmo as apreensões da difícil e conturbada época, e o futuro, no qual depositamos esperanças de dias melhores. Afinal, não vivemos sem esses tempos, sem as vozes dos nossos ancestrais, sem os gestos marcantes, sem as figuras que lá nasceram e viveram, muitas das quais marcaram seus nomes à história política, literária e sociológica do vale!
Saí de Ceará - Mirim beirando os sete anos de idade. Acompanhava - me a estrada esburacada e os arvoredos acenando ao vento, certamente despedindo - se de mim. Em Natal, na convivência diária com a nossa vizinha - vovó Madalena (Maria Madalena Antunes Pereira), nas conversações habituais com meus pais e na vasta correspondência com o primo Nilo Pereira e o tio Ruy Antunes Pereira, fui redescobrindo o meu paraíso perdido. Aos dezesseis anos, quando de uma visita espontânea, num roteiro romântico pela cidade e pelos engenhos, apaixonei - me profunda e ardentemente pelo Vale Verde, a cidadezinha de tantas memórias, de tantos afetos, dos gestos largos que ainda sinto, como a acariciarem minhas lembranças fiéis.
Nos idos de 1983, a conterrânea Lêda Marques (juntamente com um grupo de senhoras), passou a festejar, em grande estilo, o meu aniversário. Isso repetiu - se por vários anos e Ceará - Mirim ficou, definitivamente, no meu coração, sem a mágoa de ter saído de lá, intempestivamente, para morar em Natal, deixando a minha shangrilá para trás, mas, comovida com a minha afeição pela cidadezinha dos três Reis Magos!
Conforme relatos do meu pai, Abel Antunes Pereira, nos fins da década de 20, o progresso começava a imperar. Os costumes transformavam - se, o automóvel surgia operando os milagres do desenvolvimento, e a cidadezinha antes pacata e silenciosa, trafegada apenas por veículos rudimentares: charretes, carros - de - bois, jumentos e cavalos de porte, utilizados como transportes de mercadorias diversas.
A Revolução de 1930 provocou grandes mudanças e nova filosofia política. Tudo ia
seguindo as leis do tempo! Aos poucos as novas palpitações faziam pulsar o coração do povo. Tudo tornara - se diferente. A Revolução era um acontecimento que os mais velhos protestavam e os mais novos não compreendiam.
Mesmo com todas as preocupações e ansiedades, o Ceará - Mirim jamais deixou de festejar suas importantes datas, onde os folguedos populares animavam a pequena cidade. E o pastoril conservando sua tradição: a lapinha, o fandango, o bumba - meu - boi, manifestações que o povo não esquecia. Poderia vir o progresso de onde viesse, ou os tumultos e impactos psicológicos, as tradições mantinham - se de pé.
E foram chegando: a luz elétrica, o trem de ferro, o telégrafo, o caminhão! Os lampiões que ardiam suas chamas no querosene, iam se apagando! A cidadezinha foi recebendo os influxos das coisas novas. Eram os novos tempos anunciados! E, mesmo com o automóvel já circulando, os bons cavalos de sela nem por isso deixaram de existir, depois, isso foi ficando ultrapassado.
O sucesso das festas do dia 08 de dezembro, dia de N.Sra. da Conceição, padroeira de Ceará - Mirim, resistiu ao tempo. Uma festa jubilosa, a Matriz engalanada, fogos de artifícios, o dobre dos sinos ecoando pelo vale, as barracas com comidas típicas, a banda - de - música, a celebração da Missa, os bailes no clube, as pessoas passeando diante da Matriz, da praça barão de Ceará - Mirim, do Solar Antunes e do Mercado Público era um cenário maravilhoso!
Também, com igual entusiasmo, as festividades natalinas e do Ano Novo. Festas harmoniosas, fogos estrondando, a celebração eucarística com a Matriz ornamentada das mais exuberantes rosas, colorindo e perfumando o ambiente. Nessas festas, as noites do vale tão cheias de quietude, enchiam-se de ruídos e emoções múltiplas. E o final dessas comemorações era anunciado com a banda - de - música tocando os últimos dobrados. Relembro, então, a propósito, das palavras do meu pai: "Quanto me alegra o espírito recordar o Ceará-Mirim em todos os seus aspectos, principalmente no Ano Novo! Do alto da Matriz viam-se as casas - grandes dos engenhos. E lá estava o Guaporé, todo iluminado! E aquelas luzes davam - nos esperanças!” E relembrava, junto com ele, das amenidades daquele tempo!
Neste meu passeio pelo passado, vale rememorar e enaltecer os patrimônios históricos embelezando o vale esmeraldino. Como não lembrar a imponência do Solar Guaporé ou Museu "Nilo Pereira", antes denominado Sítio Bonito? Era a casa - grande, em estilo afrancesado! Nunca ninguém soube quem teria sido o construtor, contudo sabe-se que remonta da segunda metade do século XIX e foi a herança deixada pelo Barão de Ceará - Mirim (Manoel Varela do Nascimento - meu trisavô) ao seu genro, Vicente Ignácio Pereira. O Dr. Vicente foi vice -presidente da província. Àquela época, enfrentou os terríveis efeitos da seca de 1877, doando o salário do referido cargo ao Hospital de Indigentes de Natal. Após sua gestão, na capital, retornou ao Ceará - Mirim, direto para o engenho para o Guaporé.
O Dr. Vicente veria a abolição dos escravos, mas não o fim do regime imperial, encantou-se bem antes da proclamação da República e foi sepultado no cemitério da Usina São Francisco, em Ceará - Mirim. Foi o segundo norte - rio - grandense formado em medicina, deputado provincial e jornalista.
Ainda sobre os patrimônios históricos e culturais do vale, há de se reconhecer a importância da casa - grande do engenho Guaporé. Naqueles idos, era a casa de veraneio da nossa família. O interior do casarão comportava três salas de frente: o salão nobre com retratos do Barão, o piano de cauda, paredes de veludo, uma chapeleira com espelho de cristal, mobília em jacarandá, três lustres de cristal, várias telas de artistas estrangeiros, uma cristaleira com vidros trabalhados (guardando copos e jarras de cristal em cores variadas e peças decorativas em porcelana). A sala rosa tinha uma antiga caixa-de-música trazida da Inglaterra (só com os belos clássicos); uma estante com numerosos livros, inclusive, a coleção “Tesouro da Juventude”; uma mesa grande com 12 cadeiras; escrivaninha com papel, caneta-de-pena e tinteiro. A sala azul era pequena e bem adornada, chamava atenção o tapete em duas cores: azul marinho com fundo verde musgo e ilustrações em marrom, amarelo âmbar, violeta e grafite.
Nas esquinas do Guaporé viam - se dois lampiões que davam para os jardins. Nas noites de festas a visão do sobrado destacava - se em todo o seu esplendor. Sabe - se que as pessoas deslocavam - se do solar Antunes e da cidade, para os grandes bailes e os saraus musicais e literários no Guaporé. Também, dois galgos de louça, sobre duas colunas, na entrada do velho casarão, que, segundo Nilo Pereira: “pareciam humanos, como se vissem, ouvissem e falassem”.
Além do Barão e sua família, do Dr. Vicente Ignácio Pereira, também moraram na casa - grande o Dr. Riquette Pereira, sua esposa dona Augusta e os filhos. Ela, exímia pianista, conhecedora da música clássica erudita. O Dr. Riquette era uma figura bastante popular pela inteligência invulgar, pela vasta cultura, por falar correta e fluentemente o idioma francês e, também, por ser um charadista conhecido nacionalmente. Era leitor assíduo e apaixonado pelos grandes da literatura: Eça de Queiroz, Montaigne, Rousseau, Victor Hugo, Olavo Bilac, Castro Alves, Machado de Assis e outros.
O solar Antunes foi construído em 1888, pelo tenente - coronel José Antunes de Oliveira, meu bisavô. Ao falecer, ficou aos cuidados da viúva Joana Soares de Oliveira que, posteriormente vendeu-o ao filho Juvenal Antunes de Oliveira (Promotor de Justiça e poeta). Em 1937 , o poeta vendeu-o ao sobrinho Ruy Antunes Pereira que, após alguns anos, cedeu - o ao filho Rui Pereira Júnior. Posteriormente, num gesto desprendido e já como Prefeito da cidade, em 7 de novembro de 1975 (data do seu aniversário), Ruisinho (como é mais conhecido), passou o palacete à edilidade cearamirinense. Desde a sua restauração, tornou-se a sede oficial da Prefeitura da cidade.
Ceará - Mirim foi palco de grandes nomes no cenário político, literário e industrial (da cana - de - açúcar). Um exemplo é a família Meira, com o seu patriarca Dr. Olintho José Meira, o primeiro presidente da Província e proprietário de engenho Diamante. Destacou - se por sua expressiva e luminosa cultura, que, segundo contavam, valia por uma Universidade! Os Meira sobressaíram - se política, social, profissional e intelectualmente. A maioria, desde cedo, radicada no Pará: Miguel, Augusto, Otávio, Francisco José Meira (que foi senador). A outra geração, já no Pará, seguiu - se através de Clóvis Olintho Meira, Sylvio Meira e Cécil Meira, todos falecidos.
Gratifica - me destacar alguns nomes que marcaram a política de Ceará -Mirim, integrando a história de ex - senadores, ex - prefeitos e ex - deputados: Dr. Manoel de Gouveia Varela, Dr. Luís Lopes Varela, Dr. Edgar Varela, Dr. Roberto Pereira Varela (falecido em 2006), Ruy Pereira Júnior, Dr. Eider Freire Varela (radicado no Rio de Janeiro e falecido este ano), Agnelo Alves, nascido em Ceará - Mirim, no dia 16 de julho de 1932, ex-prefeitas: Terezinha Jesus da Câmara Melo e, Ednólia da Câmara Melo, Despois dela ingressou como prefeito, o advogado e delegado de polícia, Dr. Antônio Peixoto.
É um privilégio lembrar os nomes que fixaram - se na memória do povo e constituem muito do nosso orgulho pelos exemplos de honradez. É quando vale enaltecer grandes figuras: Dr. Abner de Brito, professor e poeta, professora e poetisa Adélle de Oliveira, escritor Edgar Barbosa, senhor Joca Barroca (proprietário do primeiro cartório da cidade), Dr. Álvaro China (que abriu a primeira farmácia de alopatia em Ceará - Mirim), senhor Raimundo Pereira Pacheco (meu avô materno) - homem de impoluta memória, dono de armazéns de tecidos finos e outras mercadorias. Lembrar, ainda, a figura do major Onofre Soares (um homem de irrepreensível lembrança), Cleto Brandão, Almir Varela, Dr. Pacheco Dantas, enfim, os Villar, os Ribeiro, os Dantas, os Pereira, os Pacheco, os Varela, os Câmara, os Barreto e tantos outros que fizeram a história da Briosa Vila!
Falando em nomes e história, trago - lhes com um encantamento especial, um dos mais importantes nomes do cenário literário do RN, de Natal, de Pernambuco e de outros Estados, reconhecido e enaltecido! Trata - se de Nilo Pereira, filho de Fausto Pereira e Beatriz de Oliveira Pereira, proprietários do engenho Verde - Nasce que teve como primeiro proprietário, o seu avô - Victor de Castro Barroca). Nilo foi uma presença humana de valor inconteste, intelectual elogiado e prestigiado. Amou o vale verde que ele próprio elegeu como a sua "pátria amada". A prova desse amor está nos seus escritos, sobretudo nos livros - "Imagens do Ceará -Mirim", "Evocações do Ceará - Mirim" e a "Rosa Verde", retratando a paisagem telúrica, sociológica, histórica, política e sentimental do vale. Era um homem de princípios religiosos, advogado, orador, político, professor de história da UFPE, membro da Academia Norte - Rio - Grandense de Letras, de Academias de outros estados, de Institutos Históricos e Geográficos do país e da Fundação Joaquim Nabuco, em Recife / PE. Foi jornalista e cronista literário dos bons! Tinha uma coluna diária no Jornal do Comércio de Recife / Pe, intitulada: "Notas Avulsas". Portador de inúmeros prêmios literários, como o "Machado de Assis", pela Academia Brasileira de Letras, por conjunto de obras, o "Edgar Barbosa", e vários outros. Deixou - nos mais de 60 obras e incontáveis artigos de jornais. Faleceu em Recife / Pe, onde residia há muitos anos, em 22 de janeiro de 1992, aos 82 anos!
Quero, aqui, dedicar algumas evocações sobre os meus familiares, enaltecendo a figura do meu bisavô José Antunes de Oliveira, casado com Joana Soares de Oliveira. Desse casal, o Rio Grande do Norte recebeu quatro memoráveis nomes: Ezequiel Antunes de Oliveira (médico do exército, logo cedo transferido para Belém do Pará e depois, radicando-se em São Paulo); Etelvina Antunes de Lemos (poetisa); Juvenal Antunes de Oliveira (promotor de Justiça, boêmio e poeta, radicado, desde 1909 no Acre, onde viveu por 28 anos) e a primeira mulher potiguar a publicar um livro de reminiscências e regionalismo, Maria Madalena Antunes Pereira. Nasceram todos no engenho Oiteiro. Madalena Antunes em 25 de maio de 1880. Foi casada com Olympio Varela Pereira, dando a luz a cinco filhos: Abel Antunes Pereira(meu pai); Ruy Antunes Pereira; Vicente Ignácio Pereira; Maria Antonieta Pereira Varela e Joana D' Arc Pereira do Couto.
Do engenho Oiteiro, Madalena Antunes mudou - se para o Solar Antunes, posteriormente, para Natal. Vivia pacatamente, escrevendo numa mesinha de vime, sob o velho terraço da casa da avenida Hermes da Fonseca, n° 700. Era, assim, que ela manifestava o seu talento e fantasiava os seus momentos de solidões, numa época de tantos preconceitos em relação ao papel da mulher na sociedade, literatura e em outras atividades quase que destinadas apenas ao homem. Conviveu com intelectuais como Luiz da Câmara Cascudo, Manoel Rodrigues de Melo, Esmeraldo Siqueira, Veríssimo de Melo, Nilo Pereira (sobrinho dileto) e muitos outros. E, de 1955 a 1959, recebia a visita vespertina de um jovenzinho e fervoroso admirador, Paulo de Tarso Correia de Melo, que tão magnificamente encantava - se com a Sinhá - Moça, como a beber a água de uma fonte sempre jorrando na sua estima e grande admiração.
Com a amizade desse grupo, vovó Madalena descobriu a fórmula “mágica” para editar o seu livro, o qual, em manuscritas páginas, estava concluído. Presenciei essas “cenas” por algum tempo, observando a empolgação dos intelectuais diante da perspectiva de uma mulher potiguar infiltrar - se no mundo literário. E foi desses nomes da nossa rica literatura, que ela recebeu os maiores estímulos, até que, através do contacto de Câmara Cascudo e Nilo Pereira, com um escritor pernambucano, seus manuscritos chegaram à Editora Irmãos Pongetti e o livro foi editado com o apoio da Casa Euclides da Cunha, Coleção Nisia Floresta, em 1958.
Madalena Antunes, na década de 50, mantinha um sarau musical e literário em determinadas tarde. Relembro a figura da jovem Chicuta Nolasco Fernandes declamando poemas de autores diversos, bem como, Estela Wanderley, Clarice Palma e outras.
Eu tinha treze anos quando vovó Madalena terminou de escrever o seu romance. Estava organizado em papel almaço, quando me deu para ler. Lembro - me da minha emoção quando recebi esse material e das palavras anotadas, em letras de forma, que diziam: “Largo é o sorriso que me acompanha e estreito o caminho daqueles que não compreendem as poesias da alma. Eu sou apenas uma mulher feliz, alguém que aprendeu a canalizar os sentimentos sem se queixar diante dos embates da vida! Madalena Antunes!”
Com toda a movimentação para o lançamento do seu livro, vovó Madalena foi surpreendida com a visita da jornalista Maria Tereza, redatora - chefe da revista “DA MULHER PARA MULHER” (1958). Veio do Rio de Janeiro para entrevistá - la (tamanha a repercussão em jornais e rádios da época) e vovó ofereceu - lhe um chá com outros convidados. Maria Tereza perguntou - lhe: “Como a senhora se sente ao publicar o seu primeiro livro com tantas manifestações de carinho, notícias em jornais, intelectuais cercando-a a todo instante? E esse terraço”?
Seus olhos oceânicos brilharam e ela respondeu: “Saí de uma vale encantado para a cidadezinha dos Reis Magos. Com o tempo fui reunindo as minhas reminiscências e encontrando escritores que me incentivaram nessa caminhada. Deixar o Oiteiro e a velha Ceará - Mirim deu - me algumas vantagens e os primeiros vislumbres intelectuais. Por outro lado venho sentindo falta da minha paisagem de infância, da mansidão do vale, dos parentes e amigos que lá ficaram. Quanto ao terraço, nele está a fronteira do meu pequeno grande mundo, a minha “ilha”, o meu refúgio, a mangueira frondosa e bela! Afinal, as árvores também saem dos seus lugares e dão sombras e frutos. Nelas os pássaros pousam e cantam as suas lindas estrofes musicais! Quanto ao livro, creio que a vida vai escrevendo a nossa história e o Oiteiro vai me levando de volta a um tempo ameno, cheio de poesia e beleza, ao meu “templo” de gratas recordações que deixarei para as novas gerações.”
Dando continuidade, Maria Tereza insistiu: “Somente as recordações e saudades do vale levaram - na a escrever um livro?” Madalena Antunes sorriu e respondeu com doçura: “Ah! Menina, foram os encantamentos da infância que enriqueceram as minhas lembranças; o feitiço do Oiteiro com suas perfumadas auroras e os luminosos crepúsculos enchendo - me de inspirações! Anda me lembro do lume dos vagalumes, coitados, cegos, batendo as asinhas e, mesmo sem enxergarem, abrilhantavam a noite em suas acrobacias brilhantes - eram uma cenas da mais bela poesia! O Oiteiro, o velho engenho com o oitizeiro à beira da estrada, Deus do céu, aquele pedaço de paraíso foi o palco festivo de minhas recordações! A fonte perene dos meus sonhos de menina! Desde criança fui aprisionando minhas lembranças no coração, só não imaginava é que elas seriam impressas. Creio que isso foi seduzindo o meu espírito e privando - me da solidão comum desses novos tempos, aqui em Natal. Escrever, pelo menos para mim, é um exercício da alma, uma forma de suprir as solidões e saudades. E no Oiteiro, ficou o grande oitizeiro, o qual devo bendizer: Oh! Velho oitizeiro, figura do passado, templo de minhas primeiras impressões! Quantas coisas recordas! Oh! Árvore do pomar da minha felicidade”!
Em 1958, na Fundação José Augusto (antiga Escola de Jornalismo de Natal), Maria Madalena Antunes Pereira autografou, em grande estilo, o seu livro OITEIRO: MEMÓRIAS DE UMA SINHÁ - MOÇA reunindo crônica, romance, poesia, história e regionalismo. Um livro reeditado pela A.S. Livros na II Bienal Nacional do Livro em Natal / 2003, prefaciado por mim. Madalena Antunes faleceu em 11 de junho de 1959, saindo da sua casa da Hermes da Fonseca, carregada pelas asas dos anjos, para outras dimensões.
Em maio de 2001, no Palácio da Cultura de Natal, a Fundação José Augusto, através do seu presidente - jornalista e escritor Woden Madruga, com apoio do Governo do Estado do RN lançou a revista antológica: "MULHER POTIGUAR: CINCO SÉCULOS DE PRESENÇA", onde, entre as 24 mulheres homenageadas, está vovó Madalena.
Da veia poética da escritora cearamirinense Maria Madalena Antunes Pereira, vieram os seus filhos: Vicente Ignácio Pereira, autor de um livro de poemas intitulado: "É BREVE O TEMPO DAS ROSAS", do qual posso citar o trecho de um dos seus poemas: "Onde estarão as roseiras/ nascidas no meu caminho? roseiras que davam rosas,/ com casas de passarinhos/ rosas, sem um espinho"? Ressalto, ainda, uma imagem poemática ímpar: "Só é breve o tempo das rosas para quem não plantou roseiras!" Ruy Antunes Pereira, escritor nato, deixou cartas tão perfeitas, como obras literárias, que sua filha, Denise Pereira Gaspar transportou - as para o livro: “MUCURIPE: O MUNDO ENCANTADO DE RUY ANTUNES PEREIRA”, em novembro de 1995. Dentre cartas tão corretamente escritas, quase todas voltadas para o Ceará - Mirim e para o Mucuripe, ressoará sempre uma frase lapidar do autor, na carta de abertura do livro, dirigida à minha pessoa: "Estarei sonhando? Este vale existe? E o verde, será uma cor ou um sentimento?"
Do talento da memorialista do vale do Ceará - Mirim, tivemos seu neto, Ferdinando Pereira Couto, advogado, escritor e poeta de valor absoluto. Deixou vasto material literário, jamais publicado. Quanto ao meu pai, Abel Antunes Pereira, mesmo sem haver se dedicado às letras, era fervoroso admirador dos grandes autores brasileiros, além de gostar de declamar os sonetos do seu tio materno - Juvenal Antunes - e tinha, de cabeceira: Oiteiro - Memórias de uma Sinhá - Moça, (já citado); "Vingança Não", de Júlio Dantas; "O Tesouro da Juventude" (coleção oferecida, às cinco filhas: Marilene, Gipse, Suely, Iara Maria e Lúcia Helena), "Os Sertões" de Euclides da Cunha, entre outros.
Finalmente, como um destino traçado, coube - me a missão de pugnar pela continuidade da vocação epistolar familiar, o que venho fazendo, desde os 12 anos de idade, quando tive o meu primeiro trabalho publicado no Jornal "A República". Desse modo, venho mantendo o espírito voltado para a literatura em geral. E sinto grande orgulho, por ter sido a primeira mulher norte - rio - grandense a presidir regional e nacionalmente uma entidade cultural em 14 estados. Ao proferir palestras enfocando as mulheres que se destacaram nas letras brasileiras costumo exaltar o Rio Grande do Norte - celeiro de notáveis escritores. Em 26 de março de 2002, com alta honra, assumi a cadeira nº 08, da Academia Feminina de Letras do RN, cuja patrona é vovó Madalena. Em abril de 2002, no Salão Nobre do Instituto Histórico e Geográfico do RN, na Reunião para eleição da nova Diretoria da Academia, fiz um discurso - síntese da vida de Madalena Antunes, minha avó paterna e excelsa patrona. Em novembro de 2004 fui eleita, por unanimidade, membro do IHG / RN, tão eficientemente presidido por Enélio Lima Petrovich.

Senhores e senhoras:
Voltar ao Ceará - Mirim é sempre uma emoção doce e renovada. Desta feita, não pude visitar a Matriz, que, segundo relatos dos meus pais, à época de sua construção, em 1883, recebeu a visita do Bispo de Olinda, Dom José Pereira da Silva Barros, que, ao benzer o prédio, exclamou emocionado: "Estou diante de um patrimônio histórico e religioso de grande valia, pela sua beleza e imponência arquitetônica, com certeza vai marcar a história deste lugarejo encantador!"
O tempo não apaga tudo! Há coisas que vão ficando na nossa alma, como poemas de amor. E a vida vai tecendo novos caminhos, como a aranha ardilosa vai tecendo a sua teia insondável. Mas, sempre voltamos, e, aqui estou, trazendo nos olhos e no coração as saudades dos meus pais, Abel e Áurea, a quem reverencio como arquétipos de tudo quanto possa dignificar a minha vida. Saudades de babá - Regina Dias-; das minhas companheiras de infância, Chiquinha e Bililiu, que, se não são Tonha e Patica do engenho Oiteiro de Madalena Antunes, são as filhas da ama - de - leite das crianças da nossa família! Saudades dos olheiros vingados pelos caminhos, com suas águas escuras, suas vegetações, seus aromas e aquele barulhindo das águas trazendo nostalgias. Lembrança amorosa da suave dança das piabinhas prateadas! Saudades do compadre Joaquim Gomes, tocador de rabeca, com seu anel de prata mareado no dedo mindinho, gordinho e atarracado, sempre agitado e suado, ainda me lembro das bolinhas de suor no seu nariz achatado, às quais enxugava com um lenço quadriculado e encardido, enquanto dava o seu concerto desafinado para papai e outros compadres! Saudades do apito nostálgico do trem, que Joaquim Isidro da Silva (Quincas) e seu irmão Lebre (orelhas enormes), empregados da casa grande de Ceará-Mirim, diziam: “Hum! Lá vem o bicho de ferro apitando e soprando fumaça inguá a cobra, parece inté o dono do mundo”... Saudades dos bueiros dos engenhos chorando ao alvorecer e regozijando - se ao crepúsculo; saudades da minha professora de primeiras letras, Valdecí Villar de Queiroz Soares (Valdinha); de dona Biluca, rendeira de almofadas de bilro -“venho de pés lá de Capela mode num andá de carro e trem que é coisa do cão”; saudades das chuvas descendo daquelas duas bicas (cabeças de jacarés em latão e cobre, amparando a queda d´água das telhas da frente casa - grande de minha infância). Ah! Saudades! Saudades de Chiquinha e Bililiu - de tantas brincadeirinhas; saudades das árvores seculares; dos meus avós, tios e primos; do quintal da nossa casa; das mangas rosas que dona Amélia Barroca enfurnava em um baú forrado com folhas de bananeiras; saudades do monsenhor Celso Cicco, que me batizou na Matriz de N.Sra. da Conceição! Saudades do meu padrinho, Dr. Olavo Montenegro, médico competente. Saudades de tantas saudades, Saudades das ruas silenciosas, da gente humilde, das cadeiras nas calçadas, das estórias contadas e recontadas por Piô e Maroca (com suas almas lobateanas).
O vale verde tem esse sortilégio, um cenário de eterna poesia.

Nessa “viagem” sentimental sinto rejuvenescer a minha alma.
Volto ao Ceará - Mirim com com olhos de menina, olhos de poeta e olhos de amor!

Peço licença à distinta platéia, para dedicar esta mensagem aos meus pais: Abel Antunes Pereira e Áurea Pacheco Pereira

Lúcia Helena Pereira

(1) Antoine de Saint-Exupéry - Do livro Terra dos Homens.
(2) Escritora.
Nota: Conferência ministrada em 2004, no Vale Verde do Ceará - Mirim / RN.

Nenhum comentário:

Postar um comentário