sexta-feira, 9 de março de 2012

JUVENAL ANTUNES NO ACRE - POR FRANKLIN JORGE ROQUE.

JUVENAL ANTUNES - POETA CEARAMIRINENSE

JUVENAL ANTUNES NO ACRE

Por Franklin Jorge


O Ceará-Mirim tem uma dívida com o pesquisador acreano José Wilson Aguiar, que foi arquivista do jornal “O Rio Branco” e dedicou-se, por empatia e curiosidade intelectual, ao estudo biográfico do célebre poeta norte-rio-grandense Juvenal Antunes [1883/1941].

Dotado do faro e da persistência de quem não se intimida diante de obstáculos, José Wilson mergulhou nas coleções dos jornais de época e entrevistou fontes primárias de informação, como Oswaldo Pinheiro, ex-governador do Acre, por muitos anos, amigo e vizinho de quarto do nosso poeta no famoso Hotel Madrid, em Rio Branco. São depoimentos que revelam aspectos curiosos de sua vida de solteirão impenitente.

Florentina Esteves, filha de dona Ida Rodrigues proprietária do Hotel Madrid, recorda em seu livro “Enredos da Memória”, a convivência felicíssima com Juvenal, improvisador brincalhão que se dispôs a ensinar-lhe rir, através de um permanente exercício do humor.

Esse homem que zombava de tudo, praticava, na verdade, a salvação pela graça. Assim, como parte dessa didática capaz de tornar a vida menos penosa e desagradável, Juvenal improvisava para o deleite da menina que se tornaria escritora;


Vem cá, minha menina,
De olhar da cor do céu.

Venha cá, sinhá Florentina,
Aprender com o menestrel

Da risada a excelsa arte:
Começando pelo “ah”.

Do tom mais baixo se parte,
Até alcançar o “ah”.

Assim, ouça: - “Ah! Ah! Ah! Ah!”.


Aos domingos, na “Folha do Acre” - jornal há muito desaparecido -, Juvenal publicava o horóscopo humorístico das pessoas distintas de Rio Branco, fazendo-se, por sua verve preciosa e inesgotável, querido e admirado por todos. Também cultivava a inofensiva mania de escrever cartas em versos.

O êxito, que desperta tantas vezes o ciúme e a inveja, deu ensejo à criação de versões de episódios biográficos, questionáveis ou apócrifos. Ao escrever estas linhas, penso especialmente em Océlio de Medeiros, que difundiu em suas memórias um venenoso e questionável testemunho que, ao engordar um catálogo de absurdidades de todos os gêneros, atribui ao poeta potiguar um comportamento que agride a verdade e embaralha os fatos.

Escrevendo sobre a permanência de Juvenal no Hotel Madrid, onde o jornalista Armando Nogueira ainda menino o conheceu, sentado diante do rio Acre, saboreando sozinho a sua cerveja Porter, Océlio descreve uma bacanal da qual o poeta cearamirinense teria sido um dos principais comparsas. Também o jornalista José Chalub Leite contribuiu com disparates para a biografia de Juvenal.

José Wilson tropeça em alguns momentos na inconsistência de um texto mal depurado ou demasiadamente submetido a restrições talvez nem sempre impostas por seus entrevistados. Porém, como pesquisador, amplia o nosso conhecimento da obra e da vida de Juvenal Antunes. Com um pouco mais de esforço e menos timidez, certamente ele teria nos dado uma obra definitiva sobre o grande satirista do Ceará-Mirim.

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(DOS MANUSCRITOS DEIXADOS POR JUVENAL ANTUNES À IRMÃ MADALENA ANTUNES, MATERIAL EM PODER DA NETA LÚCIA HELENA)

“Querida Zefa,

Começo felicitando-a pelo valioso título de primeira cozinheira do Brasil. Se é verdade o que dizes, avalio como não passaria bem se estivesse eu por aí, caso ainda fosses dona de Hotel.
A tua carta muito me fez rir. Vejo que continuas a mesma criatura do Hotel Gely, de Natal, cheia de superstições e crendices próprias dos nossos matutos e sertanejos. Também continuas acreditando em cartomancia? Viste três mulheres que desejam casar comigo? Ora, são mais de trinta! Não vou nesse embrulho, permanecerei solteiro, com a testa limpa, chegando à casa pela madrugada, livre e venturoso, sem ter que suportar cenas de ciúme de esposas fingidas ou não.
Madalena (minha dileta irmã), já sabe que és mulher muito mais séria do que tantas que andam por aí e por aqui. Ela sempre simpatizou contigo...porque és mulher de fibra, boa e caridosa, que até já lhe sinto um certo cheiro de santidade. Se não morrer antes dela, trabalharei para canonizá-la!
Vou sadio de corpo e alma, apesar de cinquentão. É que o Diabo ainda não levou minh’alma.
Ah! Zefinha, deixa de tolices e trata de gozar o resto da tua vida, porque este mundo não passa de brincadeira onde os infelizes e os loucos são apenas os que querem ter juízo que, afinal, de nada serve.
Repito que não desejo casar-me. Não sou tolo como tu...
Não sei se algum dia voltarei por aí, não sou lá de muitos planos. Faço tudo de veneta. Ainda, agora, quando vim do Acre, resolvi a viagem em poucos minutos. Como é agradável (em alguns aspectos) ser sozinho no mundo!
Escreve-me logo. Podes até nem acreditar, mas a verdade é que te quero ainda um bem maior do que a muitas outras mulheres, exceto à minha LAURA, que não é mulher, é um anjo e só penso nela de joelhos. Creio que esta, sem te esquecer, é a maior fraqueza de que me acuso”.

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Fotos do acervo de Lúcia Helena Pereira

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