segunda-feira, 22 de outubro de 2012

"MAIS COISAS SOBRE NÓS NOS ENSINA A TERRA, DO QUE TODOS OS LIVROS, PORQUE OFERECE RESISTÊNCIA" - EXUPÉRY.

N.SRA. DA CONCEIÇÃO, EM DIA DE FESTA, CARREGADA EM SEU ANDOR, PARA PERCORRER AS RUAS DA CIDADEZINHA ONDE NASCI. TÃO LINDA, CHEIA DE SUAVIDADE, PARECIA SORRIR!!!
MEU PAI, MINHA MÃE E AS CINCO FILHAS - (A SEGUNDA DE CIMA PRA BAIXO, É IRMÃ DA MINHA MÃE, CRIADA POR ELA, APÓS SUA ORFANDADE).
LEMBRO-ME DESSA SALA, DO VITRAL DA PORTA QUE EU, PEQUENINA, NÃO SABIA DISTINGUIR A COR: SE GELO OU DE UM VERDE CLARINHO. PARECE-ME, ATÉ HOJE, OUVIR AQUELE RÁDIO COM MÓVEL, QUE PAPAI LIGAVA LOGO CEDO. 
NO MESMO AMBIENTE, O CONSOLE COM PEÇAS DECORATIVAS, FOTOGRAFIAS NAS PAREDES, O PIANO DE CAUDA DO LADO ESQUERDO DA SALA, OS SOFÁS, O TAPETE MARAVILHOSO...
 
O RIO ÁGUA AZUL, COM SUAS ÁGUAS MORNAS, BEIJANDO O CANAVIAL E, ATÉ HOJE, CORRENDO EM MINHAS SAUDADES...

As coisas imprevisíveis sempre me chegam, como hoje bem cedo, antes das seis da manhã, quando uma prima de quem muito gosto me telefonou, já  na calçada do prédio onde moro e e anunciou: "vou ao vale, resolvi há pouco, vamos? a gente toma café por lá"...

Na estrada, mesmo com os vidros do carro fechados, eu sentia os aromas da linda manhã. As árvores perfilando os caminhos; aqui e ali uma acácia amarela; vez ou outra, aparecendo como vagalumes, lá estavam as palmeiras abanando-se com seus longos leques verdes.
Quanta emoção e nostalgia nessa viagem intempestiva, como tantas outras que já fiz, levando-me a instantes de rara beleza,  transportando-me a um mundo distante e tão próximo. Um mundo puro, sem dores ou preocupações, sem angústias...

Passeamos pela cidadezinha lobateana, um mundo imerso em história contando coisas ao nosso ouvido. A minha prima entrou numa rua por trás do cemitério e em poucos instantes resolveu o seu "assunto" (que não me interessou).

Depois voltamos à rua principal. Lá estava o Solar Antunes com sua fachada imponente, testemunha de uma cena silenciosa e evocativa, que guardo, no repouso das coisas que respeito, e cultuo, porque pertenceram aos  que vieram antes de mim.

Uma viagem breve, eu sabia, sem passarmos pelos engenhos (ou  lugares que existiram sem resistirem aos tempos) transformados em escombros...

Entramos no mercado e tomamos "café pingado" com pão assado e pamonha. E trouxemos brote e tapioca molhada no coco (uma cena que reportou-me à última viagem de Enélio Petrovich com Miriam ao vale verde, com várias escritoras, e paramos, já de noite, no mercado e comemos as mais deliciosas tapiocas)!

Fico por aqui aguardando mais uma ida ao vale verde, meu santuário sagrado, templo de minhas mais gratas recordações.

Neste momento agradeço a Deus. Parece que há uma janela eternamente aberta diante dos meus olhos. É por ela que eu contemplo, a cada dia, a hora litúrgica em que os meus pensamentos rezam,

Amém!

sábado, 13 de outubro de 2012

O IDOSO E O TRABALHO - JORNALISTA E ESCRITOR: PÚBLIO JOSÉ.




 Há tempos uma dramática situação se arrasta indefinidamente sem ter das autoridades e dos profissionais ligados à atividade uma resposta convincente ou alguma providência. Trata-se da questão que envolve o idoso e o mercado de trabalho. Pois, enquanto a Medicina e a Farmacologia trabalham ininterruptamente para alongar o tempo de vida dos mais velhos, deixando-os, portanto, a cada dia em melhores condições de saúde, o mercado de trabalho os estigmatiza e, na maioria das vezes, os pune com o não emprego, a não oportunidade, a não chance. Enfim, com uma rejeição desumana até – certamente “pelo excesso de dias”. Este segmento, que agregou ao longo do tempo conhecimento precioso e muita experiência, vem sendo deixado ao relento do processo de tomada de decisões na grande maioria das empresas, sofrendo, com isso, um corte profundo na auto-estima e uma desvalorização constante na renda e no estilo de vida. É hora, então, de se perguntar: existe explicação para isso tudo? Tem explicação para este processo que, mesmo lento, porém de maneira inexorável, vem infelicitando e ceifando vidas de milhares e milhares de pessoas ainda em boas condições de trabalho? Lamentavelmente sim. Num período que abrange os últimos 20 a 25 anos, muitas transformações ocorreram relacionadas ao mercado de trabalho, principalmente no Brasil. Passamos praticamente, até os anos 80, por um regime de reserva de mercado no qual as empresas, na maioria dos casos, não se preocupavam muito a quem vender nem com a qualidade do que produziam. Na realidade, elas tinham muito mais pessoas interessadas em comprar do que a capacidade que elas tinham de produzir e de vender. Era um tempo de economia fechada ao mercado externo e de grande esforço exportador para gerar divisas necessárias ao pagamento da dívida. É bem verdade que o pleno emprego não havia, mas as entradas e saídas de funcionários eram mais lentas, gerando, com isso, um “turn-over” até saudável. Portanto, era natural a permanência dos profissionais durante um longo período nas empresas, com a conseqüente valorização dos mais antigos. Com a abertura dos mercados, no início dos anos 90, a realidade mudou radicalmente. A concorrência aumentou, as empresas nacionais passaram a ter acesso ao “modus operandi” das multinacionais, pelo fluxo internacional que se estabeleceu, e pelo qual tinham de reciclar e treinar rapidamente seus quadros, colocando para fora os que não se adequassem às novas tecnologias, uma febre de renovação varreu as empresas – e aí os mais antigos dançaram. Foram prejudicados não só pela obrigatoriedade rápida de atualização, mas – e principalmente – pela necessidade imediata que surgiu de se economizar nas folhas de pagamento. O negócio, então, era trocar o funcionário mais antigo, portanto mais caro, pelo mais jovem, de exigências salariais mais condizentes com a ocasião e com maior capacidade de aprendizagem da informática e de um novo idioma. Em seguida veio a globalização, sistema pelo qual os países que tinham maior capacidade de produzir mais e melhor a preços mais baixos ganhavam mais e mais mercados. Aí o peso dos custos sobre a folha de salários passou a ser ainda mais preocupante. Essas novas condições de mercado criaram um paradigma ainda mais forte relacionado aos idosos, pelo qual pessoas com idade entre 40 a 50 anos foram taxadas de velhas para muitas das atividades, enquanto as com mais de 50 anos passaram à classificação de idosas e até de ultrapassadas e obsoletas. Na outra ponta da questão, os progressos da ciência vieram acentuar a vida útil dos seres humanos, ampliando assim, cada vez mais, o conteúdo paradoxal dessa realidade. Tem saída para esse difícil contexto? O melhor remédio, para alguns entendidos no assunto, tem sido o de cultivar, no ambiente de trabalho, uma postura que venha aliar a juventude à experiência, empregando jovens e mais velhos de acordo com o direcionamento de mercado adotado por cada empresa. Esse, portanto, é um caminho que tem todas as condições de recuperar a auto-estima das pessoas, além de criar um ambiente de trabalho saudável e motivador. No entanto, se faz necessário, para o atingimento desse objetivo, a quebra de todo e qualquer preconceito. Do contrário, a empresa passa a ser uma cultivadora de paradigmas, se tornando, logicamente, inabilitada para implementação de programa de tal natureza. Pelo que se vê, tudo se resume a colocar um pouco de coração no planejamento e na administração das empresas, sem desgrudar os olhos, é claro, do faturamento. Dará certo? Aí a resposta fica com o tempo.


Públio José - jornalista (publiojose@gmail.com)

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

CHIQUINHA E BILILIU, MINHAS COMPANHEIRAS DOS IDOS DA INFÂNCIA, POR ONDE ANDARÃO?



MEMÓRIAS DA INFÂNCIA
Lúcia Helena Pereira



 Eu tinha cerca de dois anos e meio, quando iniciei, por exigência de mamãe, aulas de alfabetização com Valdinha (Valdecir Vilar de Queiroz Soares). Que doce e suave presença humana em minha vida! Sua casa cheirava a flores. De longe sentíamos os aromas do seu jardim - um verdadeiro éden - espargindo dos cravos, dálias, jasmins, rosas, bogaris, resedás, margaridas e outros espécimes vegetais que enchiam meus olhos desse encantamento. Na casa branca havia um terraço adornado com um conjunto de cadeiras de ferro; jarros com beijos de várias cores; a cisterna (provocando-me uma sensação indizível) cortejada pela poética sombra de um caramanchão, cuja trepadeira exibia em seus galhos, pequeninas e mimosas rosas. Relembro as árvores do quintal: os pés de carambolas, laranjas da terra, pitangas, maracujás (imiscuindo-se nesse reino e acasalando-se com a exuberante trepadeira). Ainda ouço, como se fosse hoje, a cantiga das cigarras envaidecidas seduzindo aquele cenário! Ao sair da aula, diariamente, lá estavam em minha casa, as minhas companheiras dos dias distantes da infância: Chiquinha e Bibiliu. Suadas e esbaforidas, com os cabelos arrepiados, logo anunciavam roteiros magistrais (que causariam inveja em Monteiro Lobato), num palavreado delicioso (pareciam anjos com suas trombetas): “Luça, tu nim sabe qui vimo um sapo seco e isturricado. Tava virado de papo pra riba, pertim da arvre da isquina do berro (a esquina da minha casa, onde um carneirinho apartado da cabra berrava, em dilacerante mágoa). O danado do sapo tá é dando siná de coisa rim, vombora logo interrá o bicho nojento, mode num pegá rindade im nós...” Elas deveriam ter entre cinco a seis anos (pareciam gêmeas). Eram alegres, criativas, sempre satisfeitas, irradiando felicidade (de onde viria a felicidade dessas humildes criaturas, que amanheciam e anoiteciam em nossa casa?). Muito astuciosas (longe dos olhos de mamãe e de Babá), certa vez apareceram com massa crua de pão e fomos para o quintal da minha casa. Lá, elas fizeram bonecos e bichinhos, utilizando caroços de frutas para fazerem os olhos e outros detalhes. Estavam “com a mão na massa” quando surgiu o dono da padaria (“c´as venta inguá os bueiros do ingenho baforando fumaça”) - segundo Bililiu. Estava diante de nós o dono da padaria que foi logo narrando o acontecido: “São essas duas espevitadas, senhor Abel e dona Áurea, mal tive tempo de impedir que me levassem boa porção de massa, logo deram no pé. São umas pestes, não deviam deixá-las com a filha de vocês...” (desabafou irritado). E papai, com a sua peculiar bondade, lhe disse: “Ora meu caro, são apenas crianças, pagarei os prejuízos..." Mamãe me proibiu de brincar com as meninas durante uns dias restringindo-me ao lazer com a mana Iara e algumas primas. Depois lhe pedi que mandasse buscar minhas amiguinhas. No dia seguinte, ao sair da aula, as minhas tristezas foram recompensadas com a chegada barulhenta das diletas companheiras, que, alheias às humilhações sofridas anteriormente traziam uma euforia contagiante: “Si Luça subesse, conto a gente brincô! Cumemo bolo de fubá na casa de dona Rosinha, a moça véia da Ingreja, que deu retaios mode nóis fazê vistidim pras bunecas. Fizemo de chita, de fustam, de bolinha e preguemos inté butão de ôro. Fumo vê armá o circo qui tinha girafa, lião, trigue, macaco e vimo os povo si pindurando n´aquelas corda cum tárbuas in tempo de cairim” (eram os trapezistas Mascotinha e Roger ensaiando para se apresentarem no circo Nerino). Impregnada das emoções daquelas novidades, essas “cenas” me pereceriam, hoje, ilustrações de um livro, do escritor Louis Carrol, deixando-me penetrar, a cada instante, no reino encantado das maravilhas de alguma Alice. Eu tinha esse mundo em minha cabeça e em meu coração. Vivia-o com intensidade, sempre distante dos rigores de minha sábia mãe e dos olhares de Babá (Regina Dias). Num desses dias de chuva forte (o vale ficava carregado de nuvens choronas), elas chegaram como presenças ensoloradas, sorrindo, pinotando, cantarolando e alegrando o ambiente. Traziam, com orgulho ímpar, um cachinho de flores “fisgado” dos jardins espalhados pelos caminhos. Bililiu, bem mais falante, fez uma leve vênia e disse: “Florinha mode Luça infeitá seu artá” (um oratório que mamãe colocara em meu quarto e de Iara, onde a imagem de Nossa Senhora da Conceição se destacava). Depois, foram tirando da mochila de pano que sempre traziam com elas,  papel prateado (que revestia as carteiras de cigarros). Com esses papelotes elas colavam uns nos outros (a cola era artesanal, feita em casa). Ao secarem, davam um acabamento nas bordas brancas, com anilina de cores variadas (da caixa de trabalho de mamãe) e estavam prontos os colares. Dias depois, quando as chuvas saíam de férias, ficávamos no calçadão da minha casa, sentadas em tamboretes da cozinha para vendermos os colares. Elas imploravam: “Compre um colá que é do Rio de Janeiro: esse roxim e esse azuzim custam um tustãozim, o de prata é doistões. Cheque, se avexe, compre ó meno um...” No final da tarde, os colares estavam amassados e desbotados e o humilde comércio, logo falido! Eram brincadeiras inocentes, sem nenhuma malícia. Falando nisso, um dia fomos à casa de dona Amélia Barroca, perto da linha do trem, na mesma rua em que morávamos. Ela vendia as mangas rosas mais belas e perfumadas, enfurnadas num baú de madeira. Logo na entrada viam-se vários pés de malícia que Chiquinha e Bililiu cantavam: “Sai malícia, teu nome é priguiça, vai drumi n´outo pasto qui aqui ocês num tem vez!” E dona Amélia abria um sorriso largo e nos abraçava dizendo palavras carinhosas e presenteando-nos com as saborosas mangas. Que terna lembrança dessa boa senhora! Creio que Chiquinha e Bililiu continuam brincando, em algum lugar, trepadas em mangueiras, goiabeiras, assobiando como os passarinhos, olhando os circos e fazendo figurinhas com massa crua de pão. Onde estarão? Como reencontrar esses “mitos” da infância? Essas vozes que acodem-me em momentos de contemplação e de poesia?
 “Arre, Luça, tás pirigando pegá catapora de nóis. Ramo vê cumo vai ficá se coçando, cum a cabeça duendo e os óios pegando fogo cumo brasa. Mai tem que ficá na cama e tumá bain cum fôia de sarsa isquentada, mode muxá as boinhas"(bolhinhas) dizia (Bililiu).
  “Eu num digo nadim e só vô alertá uma veiz, pra num dizerim qui sô rim: o tá de Zeca qui mora pertim do cimitero anda vendo arma de tudo que é gente. Ele viu arma inté do finado Suares. E cumo é qui uma arma doutro canto vem isbarrar pur essas banda? Vomboro usá figa mode afastá essas arma. Tô inté tremendo cumo vara verde e num duvidio qui esse cundenado vem pegá in n´eu hoje de noite!” (dizia Chiquinha, nervosamente, na sua ingenuidade). 
 Essas palavras ressoam em meus ouvidos, como sinfonias diletas.
E quanta saudade sinto!!!


Lúcia Helena Pereira

Nota: Fiz questão de usar a linguagem delas.