domingo, 29 de janeiro de 2012

BOM DIA MEU PRESIDENTE, VOU AO SANTO OFÍCIO DE FRANKLIN JORGE PARA BUSCAR UMA DE SUAS PÉROLAS LITERÁRIAS.

PEDRO SIMÕES NETO

POR O SANTO OFÍCIO | 19 JUNHO, 2011

SANTIFICAR O ESCRITOR, OU EXCOMUNGAR O HOMEM?
Por Pedro Simões Neto (*)

Já me referi a esse dilema em outra nota, dando Céline como exemplo.
A questão é: o ser humano deve ser considerado na sua individualidade como um todo, ou pode ser fracionado em tantas partes quantas sejam as suas personalidades?

Pode ser condenado como abjeto e glorificado como virtuoso, ou os extremos devem ser unidos porque se trata de uma individualidade íntegra, de sorte que o vício de uma faceta contamina a outra?

A última indagação soa um tanto ambígua e encerra uma contradição que pode ser usada em seu próprio desfavor.

Ora, se o vício de uma extremidade, afeta a outra, então, a virtude de uma delas purifica a outra, pois não?

Apresento os casos de Ezra Pound e Louis-Ferdinand Céline, dois intelectuais dados como virtuosos expoentes na poesia e na ficção.

Pound, um ícone da poesia moderna, foi o motor de diversos movimentos modernistas, notadamente do “Imagismo”. Os defensores desse gênero pretendiam explorar de forma disciplinada as potencialidades da imagem e da metáfora, consideradas a essência da poesia. Pound influenciou grandes nomes da literatura tais como James Joyce, W. B. Yeats e T. S. Eliot, entre outros. (T. S. Eliot, chegou a submeter o manuscrito da sua obra “The Waste Land” à apreciação de Pound antes de o publicar em 1922).

Pois bem, esse quase-gênio poético, inovador, renovador da linguagem poética contemporânea, foi um fidelíssimo integrante do movimento nazi-fascista quando residia na Itália, chegando a escrever tratados econômicos e históricos antidemocráticos que negavam a própria essência político-doutrinária do seu país, os Estados Unidos, razão pela qual foi condenado à prisão em 1945.

Considerado mentalmente incapaz, dizem que um artifício para livrá-lo da prisão, foi internado durante 13 anos num hospital psiquiátrico em Washington. A acusação de traição só foi retirada em 1958 e Pound voltou à Itália depois da sua libertação. Trabalhou nos seus “Cantos” até 1972, ano da sua morte.

Céline, (aliás, Louis-Ferdinand-Auguste Destouches) médico, ex-combatente na primeira guerra, com o soberbo e intrigante “Viagem ao fim da noite” consagra-se como um dos maiores escritores do seu tempo. Ele é considerado pela crítica um dos ficcionistas mais influentes do século XX, graças ao desenvolvimento de um novo estilo de escrita que modernizou a literatura francesa e mundial. A este livro se seguiu outro sucesso de público “Mort à crédit” que com “D´un château à l´autre” e “Nord”, (este último traduzido para o português – “Norte”) destacaram-se entre cerca de vinte títulos publicados pelo autor, consagrando-o como um dos maiores nomes da literatura universal.

O legado de Céline sobrevive nos escritos de Samuel Beckett, Jean-Paul Sartre e Jean Genet, e na devoção manifestada por outros luminares da modernidade como Robbe-Grillet e Barthes . Nos Estados Unidos, atraiu a atenção e o respeito de escritores como Charles Bukowski , Henry Miller , Jack Kerouac , Kurt Vonnegut, Jr. , Allen Ginsberg e William S. Burroughs.

Tornou-se conhecido e adotado entre os da geração “beat”, por adotar uma visão caótica, e anti-heróica do sofrimento humano, inovando ao utilizar elipses dispersas por todo o texto para melhorar o ritmo e ressaltar o estilo do discurso. Nos dois primeiros livros citados, ele não só se mostrou um grande inovador como também um contador de histórias magistral.

Então? Toda essa genialidade se desvaneceu diante do seu engajamento nazi-fascista, e cruzada anti-semita, ele, francês, testemunha de uma Paris ocupada? E Pound, norte-americano, colaborador dos inimigos do seu país, divergente do próprio regime democrático, o paradigma político nacional?

Quais os parâmetros corretos para esses julgamentos, se é que devem sê-lo? O que de fato está em jogo - a “persona”, a sua alteridade ou a integridade do ser humano? O indivíduo singularmente considerado ou o artista?

E sob quais contextos históricos devem ser apreciados?
Ou a danação é eterna, irreversível e incompensável?


(*) Presidente da ACLA- Academia de Letras e Artes do Ceará-Mirim

Natal, madrugada de 16 de junho de 2011

PS: Do site de Franklin Jorge - http://www.osantooficio.com

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