sexta-feira, 6 de julho de 2012

DE VOLTA PRA O ACONCHEGO - ORMUZ BARBALHO SIMONETTI.

SEXTA-FEIRA, 6 DE JULHO DE 2012


DE VOLTA PRA O ACONCHEGO - Primeira Parte


No início deste mês recebi um convite de minha prima Marlene Barbalho, que me deixou muito feliz. Estávamos em seu alpendre na Praia da Pipa quando ela me convocou para comemorar o dia de São João na sua fazenda. Da programação festiva, previamente organizada, constava a realização de uma cavalgada que iria obedecer aos moldes das antigas visitas que meus pais, tios e avós, realizavam quando passavam os meses de junho/julho nas suas respectivas fazendas, naquela região.

Vários membros da família Barbalho/Simonetti, proprietários de terras em Goianinha que se dedicavam a atividade canavieira, escolheram a região do município de Santo Antônio do Salto da Onça, para a atividade pecuária, principalmente a criação de gado. O centro de todas essas propriedades era a Fazenda Lagoa Nova. Pertencia ao meu avô materno Odilon Barbalho, que ao falecer em 1962 deixou, para alguns de seus 11 filhos, uma parte dela. Outros herdaram propriedades menores, que ficavam em seu entorno.



Serra Caiada/RN


Boa Saúde/RN



Aquela seria uma viagem de muitas recordações. Por isso mesmo, no dia anterior, passei boa parte da noite revivendo antigas relembranças da minha infância e adolescência, quando durante as férias escolares nos meses de junho, passava com meus primos e irmãos na Fazenda Lagoa do Espinho, de propriedade de meu pai, Arnaldo Simonetti, situada também nas proximidades da Fazenda Lagoa Nova.

Pois bem, partimos de Natal, eu e minha esposa Geiza numa ensolarada manhã de domingo. Juntaram-se a nós, meu primo David Simonetti e esposa Olga, parceiro de muitas aventuras desde nossa infância nos anos 50 aqui em Natal, parte de nossa adolescência nos anos 70, no Rio de Janeiro, e novamente de volta pra nossas origens, aqui em Natal.
Segui viagem em direção ao município de Serra Caiada, antigo roteiro que fazia quando acompanhava meu pai, nos fins de semana quando para lá nos deslocávamos num “possante” Jeep Willis, ano 1959.


Chegamos a Boa Saúde, cidade que tem como padroeira Nossa Senhora da Boa Saúde, daí o seu nome. Lembrei-me que sempre fazíamos uma parada na mercearia do seu amigo Domicio. Lá ele se inteirava das novidades e encontrava outros amigos, moradores e fazendeiros na região. A demora “na pega” do inverno, o preço da arrouba de boi e a política eram os assuntos mais comentados naquela breve parada. Atravessávamos o Rio Trairi, na época ainda sem a ponte, construída na década de 70. Depois de outra parada obrigatória na fazenda Bom Pasto, onde moravam seus amigos, o casal Chicó e Dona Alice de Souza, chegávamos à fazenda Lagoa do Espinho, nosso destino.

Rio Trairi - RN

Durante o inverno, quando o Trairi descia com muita água, as famosas cheias, ficava intransponível para carros e animais. O único jeito para se atingir a outra margem e continuar a viagem era pelo “caixote”. Possidônio, antigo morador da cidade, improvisava uma caixa de madeira, que atada a cordas, presas nas duas margens sobre o rio, fazia o transporte de pessoas e mercadorias, no sistema tirolesa. As cordas eram fixadas em duas pedras nos pontos mais altos em ambos os lados do rio, e as pessoas e mercadorias eram despachadas de uma margem para outra, com relativa segurança.


Do outro lado do rio, o vaqueiro Severino Pajeba, já nos esperava com cavalos selados para fazermos o restante do percurso. Eram tempos difíceis, porém, deixaram muitas saudades.

Seguíamos em direção à fazenda Bom Pasto onde estava prevista a concentração dos participantes. A fazenda pertence ao meu sobrinho Arnaldo Simonetti, único filho de meu saudoso irmão Marcelo Simonetti, falecido prematuramente. Herdou do pai além da bondade, o gosto pelas coisas do campo, principalmente as vaquejadas.


Fazenda Bom Pasto


Ao chegar na fazenda, encontramos o que já era esperado nesse tipo de eventos. Caminhões que transportavam cavalos de locais mais distantes, estacionados em baixo das árvores, misturavam-se a cavalos arreados e prontos para a partida, num frenético vai e vem de pessoas vestidas a caráter exibindo seus trajes compostos de botas, esporas, rebenque e chapéu de couro. Debaixo de um frondoso pé de umbu, outros participavam de animada conserva em torno de uma grande mesa e se fartavam de comidas típicas da região. Não obstante a existência de outras bebidas sobre a mesa, a preferência era pela velha e boa cachaça. O tira gosto convidava e estimulava o consumo da “marvada”, pois era á base de buchada, carneiro guisado e sarapatel, além de suculentos umbus-cajá e siriguela, colhidos ali pertinho.

Fazenda Bom Pasto

Os carros, em sua maioria camionetas, também participaram conduzindo os que não tivessem montaria, ou mesmo que preferissem o conforto dos automóveis. Chamou-me a atenção, o fato de haver cavaleiros de ambos os sexos, e com idade variando entre sete e setenta anos, com a mesma alegria e disposição.

Na hora marcada, por volta do meio dia, partiu a cavalgada/carreata em direção à fazenda Lagoa do Cajá, que outrora pertenceu a meu irmão Marcelo Simonetti, primeira parada da caravana. Outro fato não escapou às minhas observações, e que me deixou muito feliz: a participação democrática e entusiasta dos moradores da redondeza. Ali estavam reunidos vaqueiros com suas humildes montarias, junto com fazendeiros e visitantes que exibiam majestosos animais tratadas a “pão-de-ló”, num mesmo propósito: manter a tradição das visitas às propriedades de parentes e amigos num clima de festa e regozijo.


Antecipei-me na partida, e fui fazer uma rápida visita a um antigo vaqueiro de meu pai, nascido e criado na nossa fazenda. Severino Pajeba, a quem já me referi, ainda mora na região, com sua esposa e alguns de seus filhos.


Fazenda Lagoa do Espinho - Serrinha/RN

Para chegar até sua morada, precisei passar por dentro da fazenda Lagoa do Espinho, de tantas recordações. Cumprindo promessa feita a meu filho Thiago, que não a conheceu, tirei algumas fotografias da fazenda. Fotografei a sede - casa grande, curral, armazém, casa do administrador e um pequeno aprisco - que ainda permanece sem nenhuma alteração, desde o tempo que foi vendida, logo após o falecimento de meu pai. Quando iniciava as fotos, lembrei-me de um verso do poema “Fazenda Santo Antonio”, onde Jorge de Altinho descreve cheio de saudades a fazenda de seu tio, que costumava freqüentar no tempo de menino.

“A tristeza me invade, quem já foi felicidade hoje é só recordação”.

... continua na próxima sexta feira.

Postado por Ormuz Barbalho Simonetti às Sexta-feira, Julho 06, 2012 Nenhum comentário: Links para esta postagem
SÁBADO, 30 DE JUNHO DE 2012


PRIMEIRAS FONTES D'ÁGUA - CACIMBAS

Tela - acrílico e bico de pena - Levi Bulhões

Na Pipa daquela época, tanto a água para beber quanto para os gastos domésticos era retirada das chamadas “cacimbas”. Essas fontes nada mais eram que olhos d’água localizados próximo ao mar; afloravam da terra. As pessoas cavavam em círculos e ampliavam a área de captação da água. Como ficava exposta, e era comum ser utilizada por animais, a água destinada para beber tinha que ser retirada com cuidados especiais.

Posteriormente, as cacimbas foram cavadas em locais previamente determinados, geralmente nos quintais das casas. Esse outro tipo de cacimba, mais moderno, constituía-se de um buraco escavado no chão, com largura variando entre 70cm e 1m. Era então revestida com tijolos até a borda, geralmente ficava acima do solo e era coberta com uma tampa de madeira. Como o lençol freático naquela área era muito superficial (e ainda hoje o é), ao perfurar de dois a três metros o solo, já se podia encontrar água abundante e de boa qualidade.

A água retirada das cacimbas era transportada em cabaças, potes ou galões para as casas. A primeira, lagenaria siceraria, tinha diversas utilidades ligadas ao uso da água. As cabaças tinham tamanhos e formas diversificados, dependendo da variedade e do momento da colheita. Servia para transportar água, roupas após a lavagem; como vasilha nas refeições, pratos, copos e cuias para retirar alimentos; como moringa, acondicionando água para os trabalhadores que iam para os roçados, pescadores, quando se aventuravam no mar adentro, e, principalmente, por viajantes, nos seus deslocamentos, geralmente feitos a pé, para Vila Flor, Goianinha, Ares, Barra de Cunhaú etc. Além disso, essas cabaças serviam também como instrumentos musicais.

Os potes e galões, por serem menores e bem mais maneiros, eram conduzidos na cabeça das mulheres, apoiados em uma rodilha, nome dado a um pano que depois de bem torcido é enrolado em círculo. A rodilha tem a função de evitar o incômodo contato direto do fundo do pote com a cabeça de quem o transporta, além de melhorar o equilíbrio do mesmo. Tornou-se comum em nossa região o ditado: “Quem não pode com o pote, não pega na rodilha”. Isso significa dizer que o indivíduo que não pode assumir determinado compromisso ou realizar alguma tarefa não deve se comprometer, pois, com os mesmos.

O galão, ainda hoje muito utilizado para transportar água nas cidades do interior do Nordeste, era feito com duas latas de 20 litros cada. Essas latas chegavam à praia trazidas pelos comerciantes que vendiam o querosene. Ainda hoje, lembro-me da única logomarca, Esso Jacaré. Este produto era utilizado para a iluminação das casas, abastecendo lamparinas, candeeiros e lampiões. Tempos depois, utilizou-se o óleo diesel, popularmente chamado de “gás óleo”.

As latas eram presas por cordas de agave (sisal) a um barrote de madeira. O transportador o carregava depois de bem dividir em seu ombro os quarenta litros de água que comportava o galão. Essa água era colocada em jarras de barro que ficavam localizadas nas cozinhas, para o preparo dos alimentos, lavagem de pratos etc.

A água destinada ao consumo dos moradores era colocada em potes e quartinhas, e estas, por serem menores, eram geralmente colocadas nas janelas para que, em contato com o vento, esfriassem a água armazenada nelas.

Os utensílios de barro, como jarras, potes, quartinhas, pratos e panelas, eram todos adquiridos nas feiras de Vila Flor, Canguaretama e Goianinha. Essas peças eram feitas de um tipo de barro especial, denominado “barro de louça”, que não existia nas regiões próximas ao mar.

Antes de a água ser colocada nas jarras, amarrava-se na “boca” das mesmas um pano muito fino, geralmente feito de morim. Esse pano ou coador, como também era conhecido, servia para evitar a entrada de pequenas raízes de árvores próximas das cacimbas, assim como também algumas impurezas que o tal pano conseguisse reter. Colocavam-se, dentro delas, algumas pedras de enxofre para evitar o aparecimento de “martelos”, como regionalmente conhecemos as larvas de mosquitos.

Jarras de cerâmica e seus guardiões - Faz. Lagoa Nova
Foram essas jarras nossas primeiras geladeiras. No “pé” da jarra, eram depositadas: frutas, verduras e raízes que eram consumidas durante a semana. Devido à umidade existente nesses locais, os alimentos se conservavam saudáveis por mais tempo, não obstante à companhia de algum teimoso sapo cururu. Esse indesejável inquilino que, sem qualquer cerimônia, instalava-se ali, junto aos alimentos, para aproveitar aquele friozinho durante o dia. À noite, aventurava-se em volta de lampiões, candeeiros e lamparinas, à cata de algumas desprevenidas mariposas.

As mais famosas cacimbas da Praia da Pipa eram a Cacimba do Comum, localizada ao lado da atual igreja onde hoje é a casa que pertenceu a Maria Gadelha, e a Cacimba de Zé de Tereza, onde hoje é o restaurante Peixada da Pipa e a Cacimba de Vicência Torres, onde fica a casa de Honório Grilo. Outra cacimba famosa era a Cacimba do Beco da Peixeira, considerada “assombrada”. Esse beco era uma passagem que existia próximo à casa que hoje pertence a Luiz Carvalho. Estórias passadas de pai para filho diziam que as pessoas evitavam passar à noite nesse beco, pois ouviam saindo da tal cacimba o som de músicas ou de pessoas cantando.

Com a chegada da água encanada, em abril de 1983, as cacimbas foram aos poucos sendo desativadas. Algumas, depois de anos fornecendo de suas entranhas água doce e saudável, tiveram destino menos nobre, mas de extrema importância – foram transformadas em fossas sépticas, e continuaram servindo à saúde da comunidade.

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